quinta-feira, setembro 22, 2011

Entrevista Seu Jorge


No último ano, Seu Jorge mudou de gravadora (da EMI para a Universal), de bairro e de casa (do Pacaembu para o Morumbi, em São Paulo) e se separou da mulher, Mariana Jorge, sua empresária por quase uma década. É possível sentir o terremoto dando uma olhada na sala de sua nova casa: os tapetes persas e as estantes de livros de arte de Mariana deram lugar a um estúdio improvisado, com bateria, baixo, guitarra, teclado e piano. Não bastassem as mudanças acima, o cantor anunciou que seu novo álbum, Músicas Para Churrasco volume 1, lançado em 22 de julho, marca a despedida do samba rock de Burguesinha e Mina do Condomínio, hits que o levaram à lista dos 50 artistas que mais faturaram com direitos autorais no Brasil em 2009. “Estou cansado de ser o único representante de um gênero que nem eu consigo definir. Posso fazer mais pela música”, diz.
Não que lhe faltem números positivos: o álbum anterior, América Brasil, de 2007, vendeu 115 mil cópias, uma ótima marca em tempos de crise da indústria fonográfica — hoje, espera-se que artistas consagrados vendam 50 mil discos. Seu maior sucesso, o disco Ana & Jorge, de 2005, em parceria com a cantora Ana Carolina, bateu as 300 mil cópias. Músicas Para Churrasco volume 1 tem tudo para se sair bem. É o disco mais povão da carreira de Seu Jorge, com letras como A Doida, primeira música de trabalho do CD, que fala de um homem que banca a conta de uma gata na noite — “E ela no Absolut, misturando ice, uísque e Red Bull” —, mas “fica a bangu”, porque a mal agradecida sai de fininho da festa, sozinha. É a segunda vez que marcas de bebidas servem de inspiração ao cantor. Em 2007, ele compôs Eterna Busca para a cachaça Sagatiba. Naquela ocasião, recebeu pela encomenda. Desta vez, afirma que não se trata de campanha. Paga ou não, A Doida emplacou: atingiu o primeiro lugar das paradas nas rádios do Rio de Janeiro na semana do lançamento e, em São Paulo, quinze dias depois.
Mas, afinal, o que explica tal sucesso, uma vez que Seu Jorge não é nenhum virtuose da música e está a anos-luz do talento de um Jorge Ben Jor para a composição? “Carisma. Mesmo quem não gosta da música se encanta ao assistir sua performance no palco”, avalia o crítico musical Marcus Preto, da Folha de S.Paulo. Nascido Jorge Mário da Silva, Seu Jorge, 41 anos, parece ter a incrível capacidade de se transformar, dependendo do ambiente em que está, e causar a melhor das impressões. Foi assim desde que surgiu nas telas, como o Mané Galinha de Cidade de Deus, em 2002.  De família pobre, de Belford Roxo, na Baixada Fluminense (RJ), o cantor não completou o ensino fundamental. Perdeu um dos três irmãos em uma chacina. Depois de ser expulso do serviço militar por indisciplina, virou sem-teto por cerca de três anos. Desafetos dizem que ficou em casa de amigos e nunca chegou a dormir na rua. Ele nega: “Então eu fiquei onde? Me dá a conta aí”, desafia. O músico Gabriel Moura lembra que Seu Jorge o via nos bares do Méier e pedia para ensiná-lo a tocar violão. Moura, que até hoje compõe com o cantor, levou-o para trabalhar e morar no teatro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Os dois formaram o grupo Farofa Carioca, que estourou com o hit Moro no Brasil, em 1997.
Dez anos mais tarde, Seu Jorge virou sonho de consumo das burguesinhas. Toca em festa na Daslu. Depois dos shows, brinda com Veuve Clicquot. Aprendeu a falar francês, inglês e italiano. Virou símbolo do novo Brasil cool, de Bebel Gilberto e das sandálias Havaianas. Faz sucesso no exterior: diz ter vendido 75 mil cópias do álbum Cru, de 2004, na França. Por trás desse feito, estão Jerome Pigeon e Rosane Mazzer, casal dono do bar Favela Chic, em Paris. “Ele é o único artista brasileiro que enche casa na França hoje em dia”, diz Rosane. Na garagem de sua casa, guarda uma Lamborghini Gallardo, um Mustang GT e um Porsche Panamera S. Quando pergunto se está rico, balança a cabeça em sinal negativo e fala que não se dá ao luxo nem de comer sobremesa: “Comprei os carros porque preciso estar preparado para o caso de um diretor me chamar para fazer um filme de ação”, diz. Nos quatro encontros que teve com ALFA, um após um show, dois em casa e um num estúdio de fotografia, Seu Jorge fumou Marlboros vermelhos ininterruptamente. Da primeira vez, abriu a porta vestindo moletom, camiseta surrada e meias. Na hora do jantar, serviu-se de coxa de frango, arroz e feijão em um prato fundo. No último encontro, escolheu e montou sozinho o visual que você vê nas fotos.
Essa imagem descolada é em boa parte obra de sua ex-mulher e empresária, que traçou uma ousada estratégia de comunicação e marketing. Em 2005, Mariana causou polêmica ao dizer, em entrevista à revista VEJA, que sua ideia era fazer com que Seu Jorge “fosse como a bolsa Louis Vuitton, que todos querem, mas poucos podem ter”. Para conseguir tal resultado, o cantor adotou uma postura radical: passou a não responder a perguntas sobre o seu passado. “Trabalho para que minha família tenha outra história. Para trás, miséria, humilhação, escravidão. Para a frente, cidadãos do mundo, sem complexos”, diz ele, que é pai de três meninas, uma do casamento com a bailarina Fernanda Mesquita e duas com Mariana. A estratégia deu certo. O cantor costuma apresentar, em reuniões com publicitários, os resultados de uma pesquisa de imagem que encomendou para constatar que fala com as classes A, B, C e D. Na música brasileira, talvez apenas Roberto Carlos e Ivete Sangalo alcancem tal privilégio. “É uma figura que não tem rejeição. Homens, mulheres, jovens, velhos, gays, héteros: todos simpatizam com Seu Jorge”, diz Ralph Choate, diretor da agência de comunicação Bigman. Choate contratou-o em 2009 para fazer duas campanhas da marca Pool, da Riachuelo.
No próximo volume de Músicas para Churrasco, essa figura unânime, sempre inquieta, pretende investir no R&B. Mas o que faz seus olhos realmente brilharem não é o novo álbum, e sim outro projeto que acalenta, provisoriamente chamado de Músicas para Cinema. Seu Jorge vai mudar de novo. Agora, quer virar erudito. Para tanto, começou a compor um álbum de voz e violão com orquestra, em parceria com o maestro moderninho Miguel Atwood- Ferguson, de Los Angeles. “Quero viajar o mundo com o maestro, a partitura e só. Tocar com todas as filarmônicas, depois vir para o Brasil. Imagina o prefeito de Nova York me recebendo? É isso que desejo para minha vida”, diz. Para quem já foi da favela à Daslu, não convém duvidar.
#Beba da Fonte