quinta-feira, novembro 28, 2013

Inveja é Mato*

Foto Floripa Selvagem


          A primeira coisa que vem à cabeça quando alguem menciona Florianópolis é a alcunha, Ilha da Magia, muito mais pelas histórias de bruxas que ficou no imaginário popular do que pela beleza natural.
Mas isso não vem ao caso.
O feitiço da Ilha, pelo menos para surfistas, está na praia, lá fora, quebrando perfeita - de preferência sem ninguem.
Todo mundo conhece alguem que largou tudo e foi morar em Floripa, ou tentou...
A sedução da Ilha vai além do surfe, mas sempre está associada a ele.
Inegável e irresistível a atração que rapazes solteiros nutrem por aquele pedaço de perdição cercado de loiras (e morenas) por todos lados.
O contrário tambem funciona e meninas de todo Brasil migram em busca duma vida mais desprendida.

Tásh tolo tásh? (Tá maluco ?)

O idioma praticado na Ilha varia entre o Manézês, falado abertamente pelos nativos, tambem conhecidos como Manézinhos, tambem é comum uma variação (quando não mistura) do português e espanhol.
A culinária local é dominada pelo PF.
É bem provável que não exista outro lugar com maior quantidade de shapers, proporcionalmente.
Encomendar uma prancha em Floripa pode ser um problema, uma vez escolhido quem vai fazer seu novo bólido, pelo menos 10 amigos seus vão ficar putos porque não foram a bola da vez.
Os camaradas que compraram uma máquina de shape em Floripa, vivem muito bem obrigado.
O mercado é constantemente detonado pelos shapers de fundo de quintal e no entanto, como viver sem eles ?
Quem disse que o Zezinho das Couves não será o próximo Matt Biolas ?
O próprio Avelino, da Tropical Brasil, já fez as suas Lino Surfboards, ainda em Santos, quando dava seus primeiros passos.
A prancha de predileção na região é branca, singelamente decorada com no máximo um logotipo e, em algum lugar, ostenta orgulhosamente as cores da bandeira da Jamaica.
Não me perguntem por que ? Floripa é uma ilha, Jamaica é uma ilha, acaba as semelhanças por aqui mesmo.
A não ser que em Kingstom eles tambem tenham a quantidade gozadíssima de funcionários públicos invisíveis...

Arrombassi tudo! (Quebrou!)

Como não poderia deixar de ser - pelo fato de ter tantos desocupados, ou como escreveu Pepê Cezar, ocupado de águas) a ilha de Florianópolis tem as condições do mar mais bem documentadas do país.
São pelo menos tres serviços, diários, do surfe report, detalhando como e quando quebrarão as melhores ondas do dia, oferecimento da turma que lucra com o surfista atento e fissurado que ouve nas melhores rádios, antes das 7 da matina, tudo sobre as ondas catarinenses.
Guga Arruda, ex- top 16 brasileiro, faz a análise diária para a Atlândida FM, Maurio Borges para Jovem Pan e Raposão para Band - e ainda tem o Rochinha com seu disk surfe.
O sujeito ainda em casa, na cidade de Floripa, sabe melhor das ondas, sem nem colocar os pés pra fora de casa, do que a seus companheiros no Rio ou São Paulo.
Nesse aspecto, a capital catarinense tá melhor servida do que muitas co-irmãs espalhadas pelo mundo, como Jeffrey's Bay, ou mesmo San Diego - pelo menos nas rádios comerciais.
Isso mostra a força que o surfe tem no estado.

Cosa Lindja

Causo curioso, Antoine de Saint Exupéry, aviador e autor de um dos livros mais lidos de todos tempos, O Pequeno Príncipe, frequentou Florianópolis nos idos de 1923, quando a Aéropostale, serviço de correio da empresa Latécoére, fazia escalas na ilha para abastecer.
Saint Exupéry pousou diversas vezes em Floripa e acabou fazendo amigos por ali, como o pescador Deca que, sem conseguir pronunciar seu nome, o chamava de Zeperri.
Essa história é contada em livro pelo filho do pescador, Getúlio, que tem uma pousada no Campeche chamada...Zeperri! E que fecha para a pesca da Tainha.
Que importância isso tem, pergunta o leitor num misto de indignado e intrigado ?
Na realidade, quase nenhuma, mas lembremos que Saint Exupéry é um dos grandes frasistas populares nas redes sociais e Floripa é uma grande rede social orgânica e analógica.
Exemplos de frases de efeito do Antoine de Saint Exupéry que podem, ou não, servir para convencer alguem da sua alma pura.

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.
(Tainhas excluídas)

Amar não é olhar um para o outro, é olhar juntos na mesma direção.
(Não vale para estrábicos)

Também somos ricos das nossas misérias.
(Essa muito comum entre os que não precisam de dinheiro)


Mô quiridu! (Meu caro)

Diz Máurio Borges, um manézinho que orgulha-se das sua raízes, que Floripa é única tambem pela sua consciência ambiental e ao mesmo tempo feroz e descabida especulação imobiliária.
Um ponto onde os opostos se atraem e sistematicamente se traem.
Explico melhor, a surfistada vai lá, descobre uma belezura de praia, deserta, virgem e em seguida compram os terrenos e vendem por lotes com precinhos módicos em suaves parcelas.
Políticos fazem o que podem, e o que não podem, pelos valiosos votos da vagabundagem de elite.
Esperidião Amim foi o primeiro a perceber que o surfe ajudava no turismo e dava uma mãozinha nas urnas.
A esposa e o filho seguiram os passos, na prefeitura e na intimidade com o surfe, sendo que João Amim, vice-prefeito, é surfista, local da Joaca.
Bita Pereira, estrela do surfe nos anos 80, dos primeiros surfistas de cristo, tambem foi vice-prefeito.
Xandi Fontes, que passou boa parte da sua idade adulta envolvido com competições de surfe, tambem aventurou-se na vida política como vereador e se deu conta que lidar com Sunny Garcia furioso era bem mais fácil do que encarar os tubarões da especulação imobiliária.
Não acredito que outra cidade no Brasil tenha o surfe tão próximo da política.
Até forasteiros, como o alagoano Tânio Barreto, de família com tradição na política, tentou a sorte nas últimas eleições.
Apesar de ser a capital do surfe (e capital de fato e direito) em Santa Catarina, Floripa não tem um museu que conta a sua história, como o de Santos, por exemplo.
A temporada de pesca da Tainha ainda causa muita estranheza na turma de fora e mesmo sabendo que o impacto do surfista no mar não atrapalha tanto os pescadores quando as ondas passam de um metro, o pau ainda come solto nas praias reservadas.
Cabe a cada um avaliar se vale o risco de entrar no mar.


Se queres, queres, se num queres, diz. (Ou quer ou não quer!)

Como diz o título, inveja é mato, dito popular.
O rapaz, ou a moça, vai viver pras bandas de Santa Catarina e vira alvo fácil.
Não pensem que é brincadeira.
Ir morar na Ilha é um ato de coragem - e de irresponsabilidade.
Se num primeiro momento, lá nos idos dos anos 70, o estrangeiro (ou haole) era muito bem vindo, por ser raro, agora a história é muito diferente.
A quantidade de cariocas, paulistas, gaúchos, paranaenses e nordestinos que escolhem Floripa para chamar de lar não parece diminuir com o passar dos anos e o desconforto dos nativos com a situação tambem.
Para a surfistada, que é o que nos interessa aqui, isso significa mais gente pra dividir ondas, menos vagas nos estacionamentos, e competição acirrada para o pão na chapa nosso de cada dia nas padarias a caminho do surfe.
E se aparentemente dentro d'água tudo se resolve, fora dela vai cada um pro seu lado, muito em parte pela absoluta falta de habilidade, ou vontade dos caras de fora para se embrenhar na cultura local.
Há exemplos de cariocas, paulistas e etc, que adotaram Floripa como cidade do coração, mudaram-se de mala e cuia, cresceram e multiplicaram na ilha, exibem o mais completo domínio do manézês e fazem um peixe com pirão que causa inveja.
A solução é sempre esta, desde sempre, misturar para ficar invisível.
Simples como pescar uma tainha.

5 motivos para ir morar em Floripa

1 - 100 praias em volta, bastam ?
2 - PF saboroso com precinho camarada
3 - Loiras
4 - Morenas
5 - Friozinho do inverno

5 motivos para não ir morar em Floripa

1 - Trânsito matutino
2 - Casas inflacionadas perto da praia
3 - Loiras e morenas com namorados enciumados
4 - A guerra entre surfistas e pescadores na temporada da Tainha
5 - Friozinho do inverno

*Escrito por Julio Adler