O PASQUIM – Você surgiu publicamente com “Ouro de Tolo”. Mas nós queremos que você conte o seu início, desde o princípio mesmo.
RAUL - Vamos ver. Vamos voltar a 1959. Eu tinha um conjunto de rock,
lá em Salvador. Eu morava perto de uns garotos do consulado, eles me
apresentaram uns discos de rock.
O PASQUIM – Qual consulado?
RAUL - O americano. Estava aquela coisa acontecendo nos Estados
Unidos e nós tomamos conhecimento. Nós fizemos um conjunto de rock em
Salvador, e a gente viajava pra todo interior, fazendo aquela coisa,
assumindo mesmo, vivendo aquela coisa da época.
O PASQUIM – Como é que chamava o conjunto?
RAUL - Os Panteras. Porque todo conjunto daquela época tinha nome de bicho.
O PASQUIM -Era um conjunto de quantos?
RAUL - Eram quatro pessoas. Guitarra, baixo e Bateria.
O PASQUIM – Krig-Ha, onde fica?
RAUL - Krig-Ha seria um rótulo. É
uma sociedade que existe hoje no mundo inteiro, com vários nomes. Aqui
no Brasil nós batizamos com o nome de Krig-Ha, que é o grito de guerra
do Tarzan. Você deve ter lido Tarzan, né? Khig-Ha significa “cuidado”!
O PASQUIM – Bandolo é inimigo, né?
O PASQUIM – Bandolo é inimigo, né?
RAUL - É.
Aí vem o inimigo. Tinha o dicionário de Tarzan na primeira página. Você
lia e tinha a tradução. Eu sabia aquilo decorado. Mas essa sociedade
promove acontecimentos. O primeiro acontecimento que essa sociedade
promoveu foi o disco, o LP Krig-Ha, Bandolo!
O PASQUIM – E aquele símbolo da sociedade? A chave?
RAUL - Aquele símbolo é o símbolo
de Amon Ra, acrescido de uma chave. Esse símbolo tem uma história
interessante. Quando o Paulo Coelho, meu parceiro, tava em Amsterdã, em
67, ele estava usando um símbolo hippie no pescoço. E veio um sujeito
estranhíssimo e arrancou o símbolo do peito dele e colocou esse símbolo,
sem a chave e disse: “Não é nada disso. Agora é isso.” Ele ficou
assustadíssimo com aquele símbolo no pescoço, mas começou a usar. E nós
fomos uma vez, há pouco tempo, escrever uma peça, que nós vamos lançar
para o ano. Fomos lá em Mato Grosso, numa tribo de índio. E numa
barraquinha de índio tava vendendo esse mesmo símbolo. Uma coisa
incrível e batizamos como o símbolo da sociedade.
O PASQUIM – Fale um pouco sobre a sociedade.
RAUL - Como eu estava dizendo,
essa sociedade promove acontecimentos. O primeiro foi o LP. O segundo
foi uma procissão que foi muito bem sucedida. Foi muito bonito. A gente
levou uma bandeira na rua. Uma explosão. Porque vocês sabem que tem
havido uma série de implosões. Nós saímos à rua, cantando, foi muito
bonito. A terceira foi esse show de teatro, esse show que nós estamos
fazendo agora. E a quarta vai ser o piquenique do papo. Nós vamos
convidar todos os artistas, de todos os campos e vamos fazer um
piquenique bem suburbano, no jardim botânico. Todo mundo. Pra conversar.
Um rapaz já se prontificou a fazer um discurso sobre “A Maldade das
Formigas.”
O PASQUIM – Qual é o fim específico da sociedade? A que ela se propõe? Ela segue uma “filosofia”?
RAUL - Essa sociedade não surgiu
imposta por nenhuma verdade, nenhum líder. Não houve liderança no mundo
inteiro, como se fosse tomada de consciência de uma nova tática, de
novos meios.
O PASQUIM – Da própria sociedade?
RAUL - É, do próprio mecanismo da coisa. Nós estamos correspondendo com pessoas que fazem parte dessa sociedade, inclusive Jonh Lenon e Yoko Ono. Eles fazem parte da mesma sociedade, só que com outro nome. Nós mantemos uma correspondência constante com eles.
RAUL - É, do próprio mecanismo da coisa. Nós estamos correspondendo com pessoas que fazem parte dessa sociedade, inclusive Jonh Lenon e Yoko Ono. Eles fazem parte da mesma sociedade, só que com outro nome. Nós mantemos uma correspondência constante com eles.
O PASQUIM - Voltando à sua biografia. Você poderia explicar sua formação literária, como você chegou a esse texto?
RAUL - Isso aí é uma coisa
interessante. Antes de eu vir pro Rio eu pensava em ser escritor. Eu
sempre escrevi. Antes de cantar, eu pensei em escrever. Eu tenho alguma
coisa escrita guardada no baú , que penso em publicar algum dia. Eu sou
muito dado à filosofia, eu estudei muito filosofia, principalmente a
metafísica, ontologia, essa coisa toda. Sempre gostei muito, me
interessei. Minha infância foi formada por, vamos dizer, um pessimismo
incrível, de Augusto dos Anjos, de Kafka, Schopenhauer. Depois eu fui
canalizando e divergindo, captando as outras coisas, abrindo mais e
aceitando as outras coisas. Estudei literatura, comecei a ver a coisa
sem verdades absolutas. Sempre aberto, abrindo portas para as verdades
individuais. Assim, sabe? E escrevia muita poesia. Vim pra cá publicar.
O PASQUIM – Você teve a intuição de que a música seria um veículo mais imediato de comunicação?
O PASQUIM – Você teve a intuição de que a música seria um veículo mais imediato de comunicação?
RAUL - Essa tomada de consciência
que eu tive foi há pouco tempo, uns dois anos atrás. Porque eu usava a
música por música. E por outro lado eu queria atingir uma coisa pela
literatura. Mas eu vi que a literatura é uma coisa dificílima de fazer
aqui, de comunicar tão rapidamente como a música. Eu tive uma escola
muito importante, que foi a CBS como produtor de discos de Jerry
Adriani, de Wanderléa, daquela coisa toda de iê-iê-iê. Eu produzia
discos para o Trio Ternura , aquele pessoal. Foi uma vivência fantástica
para mim. Aprendi muito a comunicar.
O PASQUIM – E o Paulo Coelho, teu parceiro?
O PASQUIM – E o Paulo Coelho, teu parceiro?
RAUL - Eu conheci o Paulo na Barra
da Tijuca, num dia que tava lá. Às cinco horas da tarde eu tava lá
meditando. Paulo também tava meditando, mas eu não o conhecia. Foi o dia
que nós vimos um disco voador.
O PASQUIM – Você pode falar nisso, já que tá na moda, todo mundo vendo disco voador de novo. Como é que foi isso?
RAUL - Foi depois do FIC, em que eu cantei o Let Me Sing.
O PASQUIM – Ano Passado.
RAUL - Cinco horas da tarde. Então
eu vi. Enorme, rapaz, um negócio muito bonito. Inclusive os jornais
levaram a coisa pro lado sensacionalista: O cara viu o disco voador. “O
profeta do apocalipse.” Eu dei muita risada com isso. Mas não foi nada,
foi um disco muito bonito.
O PASQUIM – Dá pra descrever o disco?
RAUL - Dá sim. Foi… era meio
assim… prateado. Mas não dava pra ver nitidamente o prateado porque
tinha uma aura alaranjada, bem forte, em volta. Mas enorme, entre onde
eu estava e o horizonte. Ele tava lá parado, enorme. O Paulo veio
correndo, eu não conhecia ele, mas ele disse: “Cê tá vendo o que eu tô
vendo?” A gente aí sentou e o disco sumiu num ziguezague incrível.
O PASQUIM – Durou quanto tempo mais ou menos?
RAUL - Uns dez minutos.
O PASQUIM – Qual foi o efeito disso em vocês?RAUL - Ouro de Tolo, que pintou aí. Essa música.
O PASQUIM – Qual foi o efeito disso em vocês?RAUL - Ouro de Tolo, que pintou aí. Essa música.
O PASQUIM – Usaram muito esse disco pra
dizer que você era místico, um negócio assim. Esse disco voador foi pra
parada de sucesso.
RAUL - Falta do que dizer. Não se
tem mais o que falar hoje. Tem que se falar mesmo neste lado de disco
voador, profeta do apocalipse. O homem que viu o disco voador dá IBOPE,
chamam ele pro Sílvio Santos.
O PASQUIM – Independente dessa sociedade, é
claro, e das coisas em que você acredita, você não acha que o tipo de
atitude que você toma publicamente influi nisso? O fato de colocar nas
suas entrevistas que você viu um disco voador, o fato de você ter feito
sua procissão e a entrevista que você deu à Manchete dentro do avião, no
aterro…
RAUL - Aquela foi gozadíssima. Ela ligou lá pra casa e disse que queria fazer uma matéria comigo, eu disse: “Pois não, mas eu tenho que fazer uma viagem de avião. Eu só dou entrevista dentro do avião.” Era aquele avião que tem lá no aterro. Aí nós fomos pro avião 4 horas da tarde. Ela já tava me esperando lá. E Paulo Coelho com a mala. Todos nós entramos no avião “Cê tá gostando da viagem?” Pusemos o cinto de segurança. E ela com um medo de fazer a entrevista, um medo horrível de mim. Aí surgiu a aeromoça, que era minha mulher, servindo sanduíche, cafezinho. Ela ficou apavoradíssima. Mas foi uma brincadeira que nós fizemos, para usar a imaginação.
RAUL - Aquela foi gozadíssima. Ela ligou lá pra casa e disse que queria fazer uma matéria comigo, eu disse: “Pois não, mas eu tenho que fazer uma viagem de avião. Eu só dou entrevista dentro do avião.” Era aquele avião que tem lá no aterro. Aí nós fomos pro avião 4 horas da tarde. Ela já tava me esperando lá. E Paulo Coelho com a mala. Todos nós entramos no avião “Cê tá gostando da viagem?” Pusemos o cinto de segurança. E ela com um medo de fazer a entrevista, um medo horrível de mim. Aí surgiu a aeromoça, que era minha mulher, servindo sanduíche, cafezinho. Ela ficou apavoradíssima. Mas foi uma brincadeira que nós fizemos, para usar a imaginação.
O PASQUIM – Raul, os sinais, suas letras,
está tudo ligado com um magicismo seu. Você brinca muito com isso não?
Magicismo, ironia mágica, seja lá qual for. Pra botar isso bem curto:
Qualé?
RAUL - Vamos citar o Apocalipse
bíblico. Foi escrito numa época incrível, você tinha que falar uma
linguagem simbólica, uma linguagem mágica. Mas o Apocalipse é uma coisa
que se adapta a qualquer época.
O PASQUIM – Principalmente a atual. É, algumas épocas mais do que as outras, alguns lugares mais do que os outros.
RAUL - É quase a mesma linguagem
que nós estamos usando pra tentar dizer, tentar chegar a um objetivo.
Não é um objetivo de uma verdade absoluta, porque ninguém aqui quer
chegar a uma verdade absoluta e impô-la. Apenas se quer abrir as portas.
Para as verdades individuais.
O PASQUIM – Então você quer abrir uma porta
na cabeça de quem tá te ouvindo. Não há uma hora em que se fecha de
repente? O perigo de fazer essas coisas, o perigo do magicismo, da
maneira de dizer as coisas…
RAUL - É uma escada.
O PASQUIM – Mas ao mesmo tempo há o perigo de você se fechar dentro do magicismo! Há esse perigo, você vê esse perigo?
RAUL - Não. É uma escada. Um
estágio. Nós estamos no primeiro estágio. Estamos transando com a fase
“Terra” da coisa. Esse primeiro estágio tem que ser assim. O segundo
estágio é outra coisa, já é mais aberto. Não se pode começar uma coisa
assim, você tem que manipular. Por exemplo, Raul Seixas. Eu tô segurando
Raul Seixas ali embaixo, como uma marionete. Eu tô aqui em cima. Eu sei
até que ponto ele deve subir um pouquinho mais, cada vez mais. Mas
nunca ele pode chegar aonde eu estou, não vou comunicar mais.
O PASQUIM – Esse Raul Seixas que você manipula, que está lá embaixo, é em função de quem te escuta e te vê?
RAUL - Esse Raul Seixas que está
no teatro Tereza Raquel, cantando esse tipo de música, dando um certo
toque mágico na coisa, é necessário. Usando muito a imaginação, a
intuição. Longe, fugindo do logicismo. Esse logicismo radical, kantiano,
de Pascal. Eu vejo isso como um estágio.
O PASQUIM – Você faz isso mais para se entender ou pra que os outros te entendam?
RAUL - Pra que os outros me
entendam. Pra que eu penetre em todas as estruturas, em todas as
classes, em todas as faixas. Todo mundo tá cantando A Mosca na Sopa.
O PASQUIM – Eu acho que o magicismo seria
uma entrelinha. Você não tem medo então de perder a linha? Você vai
tanto na entrelinha que acaba perdendo a linha.
RAUL - Não, que é isso? Sabe por que? Eu tenho medo de hermetismo. Eu acho que não é mais fase de hermetismo.
O PASQUIM – Mas o magicismo pode cair.
RAUL - Mas é um magicismo estudado. É dosado, nêgo.
O PASQUIM – Se você não estiver muito sob
controle, pode cair nisso. Isso exige um tremendo autocontrole,
conhecimento de si próprio, senão você embarca no próprio som do que
você está dizendo. Tem que saber o que você está fazendo.
RAUL - Eu tô fazendo.
O PASQUIM – É isso que preocupa, se você
está consciente. Ô Raul, como é que você vê os seus contemporâneos no
Brasil? Os que fazem outras coisas, que escrevem romances, fazem
poesias, trabalham em jornal, televisão etc.
RAUL - Como eu vejo a realidade? Isso aí é fogo, rapaz.
O PASQUIM – Use o magicismo.
RAUL - Peraí. Eu vou falar uma
coisa aqui. Eu vou falar sobre os cabeludos. Eu li outro dia um negócio
de Pasolini na Veja. Vocês leram? Achei fantástico. Você já não sabe
mais quem é quem. Tá aquela coisa de cabeludo, tá todo mundo
estereotipado. Por isso é que eu faço questão de dizer que eu não sou da
turma pop, que eu não tô comendo alpiste pop. Eu sei lá, eu acho que tá
todo mundo de cabeça baixa, tá todo mundo schopenhauer, todo mundo num
pessimismo incrível. Essa geração audiovisual, e digo isso muito
maldosamente, eu chamo eles de “audiovisuaizinhos”. Minha mulher fala
comigo que eu não devo fazer isso com eles, porque a garotada tá
sabendo. Tá todo mundo de cabeça baixa, quieto, conformado. Eu sou um
cara muito otimista nesse ponto. Sei lá, eu não sei se é a minha
correspondência com o planeta, vejo a coisa em termos globais. E tá
realmente acontecendo uma coisa fantástica, que é essa certeza e
conscientização de que você deve ser um rato, transar de rato pra entrar
no buraco de rato, vestir gravata e paletó para ser amigo do rato. E
depois as coisas acontecem. Não ficar de fora fazendo bobagem, de calça
Levis com tachinha. Esse tipo de protesto eu acho a coisa mais imbecil
do mundo, já não se usa mais. Eles tão pensando como Jonh Lenon disse,
“they think they’re so classless and free”. Mas não são coisa nenhuma,
rapaz, tá todo mundo dentro de uma engrenagem sem controle.
O PASQUIM – Vamos falar do tempo em que
você era produtor de discos na CBS. A sua posição profissional era
praticamente ditatorial. Como é que era a tua transa pessoal com essa
gente?
RAUL - Eu fazia aquela coisa
porque sabia que era uma coisa inconseqüente. Eu fazendo ou não, outra
pessoa ia fazer. Eu estava fazendo aquele trabalho, o diretor da CBS
queria, e enquanto isso ia aprendendo a usar aquele mecanismo.
O PASQUIM – Você estava de rato?
RAUL - Exatamente. Eu estava de
rato, vestido de rato. Foi quando surgiu a idéia de eu contratar Sérgio
Sampaio e Edith Cooper, que é uma boneca lá da Bahia, um cara
fantástico, muito amigo meu. Nós fizemos um disco chamado Sociedade da
Grã Ordem Kavernista Apresenta: Sessão das Dez. Mas o disco foi
misteriosamente tirado do mercado porque não era a linha da CBS. Esse
disco foi quando eu botei as manguinhas de fora, foi quando eu comecei a
fazer o trabalho. Era um disco que mostrava o panorama atual, o que
tava acontecendo, o caos todo daquela época. O caosinho bonitinho que
tava acontecendo naquela época.
O PASQUIM – Aí você foi expulso da CBS.
RAUL - Fui expulso em função desse LP. E também porque fui no festival Internacional da Canção, cantar Let Me Sing.
O PASQUIM – Eles não queriam isso?
RAUL - Não. Eles disseram: “Ou você é produtor ou você é cantor.” Eu tinha que optar.
O PASQUIM – Raul o que te levou ao
hermetismo? O que você andou fazendo de coisas herméticas, e o que te
deu a noção de equilíbrio?
RAUL - Foi o primeiro LP que
gravei na Odeon. Foi um LP louco, rapaz. Um LP extremamente filosófico,
metafísico, ontológico, que falavam em sete xícaras, ou seja, as sete
perguntas aristotélicas. Ou seja, as fontes do conhecimento.
O PASQUIM – Como é que chamava o disco?
RAUL - Raulzito e seus Panteras.
O PASQUIM – Raul, você tem filhos?
RAUL - Tenho uma filha.
O PASQUIM – Em 59, você fazia rock na Bahia. Você conheceu Caetano e Gil na Bahia?
RAUL - Conheci o Gil.
O PASQUIM – Isso foi antes do tempo de Gessy-Lever?
RAUL - Do tempo que eu fazia
jingle também. Só que eu fazia jingle rock e ele fazia jingle
bossa-nova. A gente se conhecia, 59, 60 por aí.
O PASQUIM – Depois desse contato, como é que foi ficando? Distante?
RAUL - Era uma coisa lá e outra aqui. Nós tínhamos um lugar, o cinema Roma, onde a gente promovia shows de rock.
O PASQUIM – Bossa-nova não?
RAUL - Bossa-nova era no teatro
Vila Velha. Era uma coisa bem separada mesmo. Existia um conjunto lá, a
Orquestra de Carlito, com Caetano e Gil. E existiam os Panteras. Duas
coisas completamente diversas. Mas no fundo eu acho que estava todo
mundo querendo chegar a mesma coisa, era só problema de linguagem.
O PASQUIM – Raul, o pessoal que viu o show
em São Paulo diz que, além da crítica leve que você fez ao Roberto
Carlos, tinha uma crítica ao Caetano também.
RAUL - Tinha não.
O PASQUIM – E a crítica ao Roberto?
RAUL - É uma brincadeira. Porque
quando Ouro de Tolo saiu, tava saindo uma música do Roberto em que ele
agradece ao Senhor pelas coisas recebidas. Ele disse que agradece, eu
digo que eu devia agradecer. Foi isso que os caras pescaram.
O PASQUIM – Você está a fim de ocupar a vaga de guru que o Caetano Veloso deixou?
RAUL - Eu não sei se é isso, não. Acho que Caetano tá sabendo o que tá fazendo. Ele sabe exatamente.
O PASQUIM – Caetano era guru ou não era?
RAUL - Não… Eu acho que ele não
assumiu esse negócio de guru. Eu acho que viram ele como uma tábua de
salvação, as pessoas tavam precisando dele, tava na hora de um apoio.
Então escolheram o Caetano.
O PASQUIM – Ele ainda é o líder?
RAUL - O que você acha?
O PASQUIM – Eu acho que é. E você o que acha?
RAUL - Eu acho que tanto Caetano como Gil, embora sendo trabalhos diferentes, são incríveis.
O PASQUIM – Você falou sobre Caetano e Gil, falou sobre Jonh Lennon. E a sua influência do Bob Dylan?
RAUL - Isso é engraçado, todo mundo fala sobre esse negócio do Bob Dylan. Eu gosto de Dylan, mas não foi uma coisa marcante.
O PASQUIM – Seu espetáculo é a aplaudido
com um entusiasmo, digamos assim, com uma zorra total no teatro. Isso
pode ser a força de seu recado. Um recado tão forte que o pessoal quer
aplaudir, mas o recado ainda está um pouco na frente do momento. O que
você acha?
RAUL - Eu não vou dizer por mim,
mas Paulo Coelho acha isso. Ele acha que as pessoas ainda estão em
dúvida, estão com um certo receio, assustam um pouco.
O PASQUIM – Raul, você falou sobre a sociedade. E outros planos para o futuro?
RAUL - Eu já tô com o meu segundo
LP na cabeça. É como um degrau. Eu dividi o trabalho em quatro fases,
simbólicas, é claro, dentro daquilo que nós já falamos, de magicismo.
Fase Terra, Fase Fogo, Fase Água e Fase Ar. Somente com a identificação.
Essa fase fogo vai ser diferente dessa, dentro do mesmo tipo de música,
mas não exatamente iê-iê-iê. É outra coisa, eu prefiro que seja
surpresa. Vejam depois de pronto. Eu tô seguindo uma orientação geral,
em que eu recebo e dou informações. Em todos os quatro cantos do mundo, a
gente tá sempre recebendo, tá tendo informações. Essa outra fase é uma
fase de escada mesmo. Um lugar que você vai chegando gradativamente,
sabendo aos poucos.
O PASQUIM – Basicamente que público você atinge?
RAUL - Todas as classes. Isso é
que é bom. Sabe por quê? Eles assimilaram Ouro de Tolo dentro de níveis
diferentes, mas no fundo era a mesma coisa. O intelectual recebia de uma
maneira, o operário de outra. Lá em casa tá acontecendo uma coisa muito
engraçada. Atrás do edifício estão construindo um outro enorme, então
os operários cantam o dia inteiro Ouro de Tolo, com versos que eles
adaptam para a realidade deles. Eles transformam os versos, dizem: “Eu
devia estar feliz por que eu ganho vinte cruzeiros por dia e o
engenheiro desgraçado aí…” Eu ouço o dia inteiro eles cantando isso aí. E
as cartas que eu recebi da revista POP, que fez uma transação aí,
negócio de “Diga o que você acha da música Ouro de Tolo.” Veio do Brasil
inteiro. Fantásticas aquelas cartas, eu guardo um monte. Eu li essas
cartas todas. Todo mundo entendeu, dentro de uma conotação própria,
dentro de um nível diferente. Eu achei fantástico isso. Quer dizer que
tá funcionando.
O PASQUIM – Você tem algo a declarar para as novas gerações?
RAUL - Não, é uma juventude sadia, alegre, satisfeita, feliz e contente. Comendo alpiste. Amém.
#Entrevista publicada no extinto Pasquim em novembro de 1973.