Tive a infeliz oportunidade de assistir a um capítulo da atual novela das oito e de confrontar-me com uma triste cena que, na sua essência, traduzia uma profunda discriminação contra a mulher. E o registro cenográfico era assim conduzido: Uma jovem e bela loira, para vir a tornar-se uma celebridade, tem sua foto exibida em um outdoor, numa pose que reunia o tradicional conjunto de caras, bocas e bumbum empinado. Até aí nada de novo. É o nosso lugar comum erótico no seu destaque, pra lá de banalizado. Porém, na seqüência dos fatos, a jovem é literalmente empurrada pelo namorado a brindar uma multidão que ali se formara - composta na sua maioria por homens, naturalmente – com a reprodução, ao vivo e a cores, de seu glamour fotográfico. E, enquanto a jovem reproduz a pose exposta no outdoor, forma-se um círculo de rapazes ao seu redor que, em coro, gritam: “tira, tira”. À bela loira não restou outra alternativa senão a de atender ao agressivo apelo dos fâs, deixando cair o seu pequeno e inocente chambre de cetim cor de rosa. De todas as formas de violência ainda imposta a nós mulheres, considero esse tipo um dos mais nefastos. Trata-se da violência camuflada, mas que encerra uma humilhação desmedida e um preconceito sem limites. Mulher celebridade? Só se empinar o bumbum e cumprir um bizarro ritual que caracterize uma sensualidade programada, caricata e principalmente vulgar. A mídia que, vez por outra, ensaia levantar algumas questões importantes da problemática feminina é a mesma que tenta nos manter presas a uma trajetória de opressão e de exploração. E, o que é mais grave, conta com os aplausos deste Brasil varonil e com olhar complacente de milhões de mulheres, jovens ou velhas, não importa. É o feminino sendo protagonizado, num espetáculo circense de alto baixo nível. É a mulher sendo exposta ao ridículo, representando um produto de consumo barato. Mas é, acima de tudo, a continuidade de um preconceito antropológico, estigmatizado através de uma violência velada. Não bastaram os ecos do “cala a boca Magda” ou a perpetuação da Ofélia que “só abre a boca quando tem certeza”, reproduzindo um humor desgastado por, no mínimo, 50 anos. A doce sensibilidade de Caetano Veloso traduz em versos esse jogo machista a que as mulheres ainda são submetidas: “Ele é o homem, ele é quem quer, eu sou apenas uma mulher.”
*Édula Pacheco Oliveira é professora.