segunda-feira, janeiro 19, 2009

Devaneios de Caetano Veloso - Sifu?

Não me incomoda muito que o presidente da república tenha usado a expressão “sifo” num discurso no Rio. Conheço pessoas que estavam lá e ficaram revoltadas. Dou-lhes razão. Mas não me abalei muito. Me aborrece mais que todos os jornais do país, ao contar a história, tenham grafado “sifu”. Não entendo a razão. Me parece que assim os jornais mostraram no mínimo tanta vulgaridade quanto Lula. “Sifu”, assim escrita, é uma palavra oxítona. O “u” final cria o problema. Ele entrou aí porque palavras relativas a sexo são vistas como sujas: não têm história. O verbo que está abreviado na segunda sílaba da palavra composta não contém a vogal “u”: é “foder”. Mas leio até em livros eruditos “culhão” no lugar de “colhão”, “buceta” no lugar de “boceta” e “fuder” no lugar de “foder”. “Sifo” é, assim escrita, a palavra paroxítona que o presidente pronunciou - e sua segunda sílaba é a primeira do verbo abreviado. Escrevê-la com um “u” é transformar a primeira página dos jornais brasileiros em parede de banheiro suja de parada de ônibus. Este sou eu: apesar das incertezas a respeito da origem do uso da palavra “veado” para designar “homossexual do sexo masculino”, me sinto mal quando vejo escrito “viado”. Millôr Fernandes escreveu que quem escreve “veado” está dando provas de que é um. Acho que adoro dar esse tipo de prova, pois só grafo “veado”. Primeiro porque sou adepto da tese de que se está dizendo o nome do animal e não algo derivado de “desviado”. Depois porque, na dúvida, preferiria manter a mesma atitude que exijo em relação a “boceta”, “colhão” e “foder”. Cariocas e baianos não escrevem “chuveu” nem pernambucanos, “cibola”. Não. “Sifu” é uma indecência oxítona que a imprensa consagrou.

Implico com a mania - que começou nos anos 70 com a poesia marginal - de se ecrever “homi” (como em “os homi”) em lugar de “home”. Supostamente estão transcrevendo a fala de gente do povo, que não pronuncia o eme final. Leio isso em romances e poemas - até em ensaios. Alguns põem o circunflexo: “os hômi”. Esses ao menos evitam o oxítono fatal. Mas criam uma complicação desnecessária. Suponho que evitam “home” porque os (ainda poucos) brasileiros que lêem iriam pensar tratar-se da palavra inglesa que significa “lar”.

Este blog e os shows em que fui mostrando as canções são a exposição do trabalho que sairá em disco no ano que vem. Só “Menina da Ria” (uma canção singela e gozada) não é conhecida de quem quer que freqüente estes chats aqui. Quando eu disse que o projeto pretende um aprofundamento da experiência de “Cê” não estava anunciando uma radicalização no sentido das aparências de indie-rock, mas um aprofundamento do trabalho que iniciei com Pedro, Ricardo e Marcelo. Com essa mesma formação, enfrentar desenhos rítmicos do samba tem sido, para nós quatro, uma aventura maior do que seria confirmar expectativas de definição roqueira mais “pura” no meu trabalho. Marcelo, Ricardo e Pedro não escreveram aqui até hoje porque não quiseram. Mas eu posso dizer que eles estiveram sempre entusiasmados com o que vimos fazendo. A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul. O sul é um mercado mais voltado para a cultura pop de língua inglesa do que o resto do Brasil. O centro-sudoeste compra sertaneja (mas também axé). Do Rio para cima, pelo litoral, axé (mas também sertaneja), pagode, rock brasileiro moderno, pop brasileiro moderno (odeio a denominação MPB). O cinema brasileiro também tem muito menor penetração no sul do que no resto. Então, para a moça que assina Joana: “zii e zie” não será ir mais fundo no que há no “Cê”, mas ir a lugares aonde o “Cê” não foi. Já comentei aqui que o crítico Ben Ratliff disse no NYT que as letras do “Cê” eram as minhas melhores em 20 anos, sei lá. Que mexi com ele, em Nova Iorque, dizendo que ele nem sabia português. Mas que agora penso que ele tinha razão, de certa forma. A concisão quase saxã do “Cê” não se encontra em meus textos de antes nem de depois desse disco. Mas é porque eu não quero.

Fui ao Mistura Fina ver o show de Luie, Liminha e Dádi. O artista era o Luie. Mas o trio (que depois ainda trouxe, de quebra, Cesinha na bateria) também parecia constuir um gênio musical. Luie é um cara da geração do Dádi. Eu o conheço desde os anos 70. É um desses caras que se apaixonaram, talvez desde a infância, pelo repertório de estilos que ganhou o mundo sob a rubrica “rock”. Fiel a suas eleições, ele só cantou em inglês - e só clássicos do rock’n'roll, dos blues, do country e de todas as misturas desses três elementos. Eu, que desenvolvi meu gosto de modo totalmente diferente, fico maravilhado quando vejo alguém assim. Luie tem musicalidade e feeling genuínos, ele canta de dentro da verdade daquela cultura. Não se trata nem de perfeição na imitação (o sotaque, por exemplo, não é limpo de brasilidades) mas de identificação profunda com a sensibilidade e a poesia daquele mundo. Além disso, ouvir “Dead Flowers” ou “Wild Horses”, “Like a Rolling Stone” ou “Hey Joe” é reviver os anos iniciais de minha tardia descoberta da energia histórica do rock (sou joãogilbertiano antes de tudo). Liminha (que tocou comigo em 1968, quando ele tinha 17 anos!) é o que sempre me pareceu: um músico grandioso. Dádi (que tocou comigo nos anos 90 e é uma das pessoas que mais adoro neste Rio de Janeiro) é um contrabaixista deslumbrantemente culto de tudo aquilo que Luie representa: ele toca baixo como se fosse uma extensão das guitarras de Luie e Liminha, com toda a manha, todo o sentimento daquele tipo de música. O trio soava tão bem que parecia que o equipamento de som era o melhor já montado em Tóquio. Fiquei emocionado.

Escrevi que postaria quando os comments chegassem a duzentos há dois posts atrás. E cumpri. Agora é esperar a liberação de “Incompatibilidade de gênios” por parte da editora de Bosco&Blanc.

QUERO “PÓ PARÁ COM O PÓ” CANTADO POR IVETE, DANIELA, CHICLETE, ASA, JAMIL E QUEM MAIS

Salem, você também lê meus pensamentos. A música de Nelson Cavaquinho que eu mais canto em casa é “Rugas”. E gosto mais de Nelson do que de Cartola, se é que se pode falar assim. Eu o conheci bastante e ele, com aquela cor de cerâmica e cabelos prateados, era o caboclo mais lindo. Penso o mesmo que Egberto. No mínimo. Nando lembrou certo: falei sobre o violão de Nelson para ilustrar aquele argumento. Já ouvi João Gilberto cantar “Rugas”. De lascar. Três beijos na sua testa.

Adoro Radiohead. Thom Yorke canta muito e a banda é boníssima. Não creio que Milton se entusiasmasse com eles, mas há algo de Minas ali sim. Como sou baiano, muitas vezes prefiro até Arctic Monkeys, pela linhagem mais seca, que vem de Sex Pistols, Nirvana, Strokes - e o eterno disco dos Pixies na BBC. Radiohead é muito líquido. O som é muita água e o texto é muito obscuro, muito “não quero que você me entenda”. Mas é um grupo refinado e caprichado. Lindo de se ouvir. Acho que não vou ao show da Madonna, mas ao do Radiohead eu quero ir.