quarta-feira, março 31, 2010

Provocações

Muito boa a entrevista de Antônio Abujamra para um jornaleco de Fortaleza. Ator, diretor e crítico do mundo, Abujamra têm um programa na Tv Cultura chamado Provocações em que o apresentador tem como objetivo cutucar os convidados. Certa vez iniciou o programa com uma pergunta para a convidada Vera Fischer que indagava o seguinte : "Vera, o que você acha da mediocridade de fazer novelas?" Começei a assistir o Provocações por indicação da família Araújo de Souza. Porém não sou um telespectador assíduo pois o programa vai ao ar as 22:10 de sexta-feira. Porém, sempre que posso, assisto. Se você for um anormal e estiver em casa com a tv ligada as dez da noite de uma sexta-feira, fica a dica. Segue trechos da entrevista abaixo.

O POVO - Por que você queria que te aplaudissem de joelho?
Antonio Abujamra - Humor! Humor! Você conhece essa palavra? Vem de humour. Queria fazer isso só por humor mesmo. Gritar 'De joelhos, de pé eu não quero mais!'. Olha aqui, se você fizer perguntas babacas, eu te arrebento e caiu de pau em você. Você já fez uma. Essa pergunta 'por que você queria que te aplaudissem de joelho?' é babaca. Você não entendeu a piada! Se a pessoa não entende a piada, eu posso cair em cima. Você pode ficar vermelho, constrangido. Pode se abanar. Mas você deve perguntar só coisas boas. A juventude tem que ter talento, tem que ter coragem e ser boa, mas podem perguntar o que vocês quiserem. (Se dirige para a Natasha e aponta o dedo: 'você pára de ser imprensa marrom e ficar escrevendo essas coisas aí. Isso aqui é uma conversa sexual entre homens).

OP - A gente veio no carro discutindo o medo que a gente sente em entrevistar o senhor...
Abujamra - Eu não acredito nisso! Não tenham medo! Não tenham medo de errar! Caminhem no incerto. Aí vocês me vêm com essa de ter medo de entrevistar um cara igual a vocês? Um velho acabado, sem ter onde cair morto. E vocês querem ficar impunes? Que não aconteça nada com vocês? Como vai ter medo de me entrevistar, meu amor? Explica para mim! Se você tiver medo, eles vão te estraçalhar. Estão todos procurando os medrosos para jogar em cima deles as suas frustrações irremediáveis. Não tenham medo de nada! Não tenham medo! Vão para puta que pariu! Vamos passar para um outro assunto.

OP - Você tem medo de alguma coisa?
Abujamra - Blá! Blá! Blá!

OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
Abujamra - Fala mais alto! Eu sou surdo. Além de tudo isso, eu sou surdo.

OP - O seu personagem provocador não tenta um pouco assustar as pessoas?
(O garçom serve o café da manhã de Abujamra: misto quente, com batata-fritas e suco de laranja)
Abujamra - Pode servir! A única coisa boa da entrevista até agora é isso aqui... O provocador na televisão tem oito anos. Já não agüento mais aquela minha cara dizendo poemas. Eu já chego e nem leio mais poemas. Já mando colocar no teleprompter e pronto! Eu faço provocações como qualquer programa de televisão. Se vocês perguntarem quem foi que você entrevistou melhor nesse tempo, eu respondo: a rua. Sempre na rua são os melhores entrevistados. Você vai na rua e eles falam coisas maravilhosas, sem nenhum erro. Vocês estão servidos? (Oferece o café da manhã). Eu acordei agora. Bora! A entrevista é de vocês, coragem! Marchem!(Se dirige ao fotógrafo) Não fotografe enquanto eu mastigo.

OP - Voltando ao programa Provocações, você sempre se diz ser muito provocado. Você se lembra quando você foi provocado pela primeira vez?
Abujamra - É só andar pela rua. Ande em seu país e veja o que acontece. Pegue um ônibus! Veja a camisa suada do cara na sua frente. Que tecido era a camisa? De onde era? Por quê? Tudo isso me provoca. Pega um jornal e abre. Nós somos provocados constantemente. O país finge que está bem. Todo mundo sabe disso. Não sei... Talvez em Fortaleza vocês estejam bem mesmo. Ser provocado é isso. É só sair na rua. É só olhar para as pessoas. É só perguntas para as pessoas, assim: o que você faz? Pronto! Você nunca percebeu isso?

OP - Percebo.
Abujamra - Então para que você está me perguntando?

OP - Mas a pergunta era para saber se houve uma primeira provocação?
Abujamra - Teve sim! Eu tinha um ano de idade, eu acho. Hoje eu tenho 77. De lá até aqui, eu só vi provocações. Eu vejo que as coisas não andam. Veja, por exemplo, a educação. As coisas não mudam em mais de 30 anos. Isso é uma provocação! Como é que nunca foi feito um projeto de educação neste País? Nunca! Tanto dinheiro que não vai para a educação. Isso tudo é batido, meu amor! Você não acha? Faz assim. Escreve o que você acha e diz que fui eu que falei.

OP - O Abujamra provocador existe desde muito antes do que o programa?
Abujamra - Eu passei 25 anos pensando em fazer esse programa. Ele começou com uma entrevista com um cara, um físico, ele chegou e perguntou para mim: você não acha erótico um setentão soltar uma bomba? Não! Eu acho mais erótico fazer outro tipo de trabalho. Arrebentei com o cara. Então eu tive a idéia de fazer um programa com essas pessoas que acham que sabem tudo para a gente desmontar isso.

OP - Mesmo assim as pessoas topam participar do programa?
Abujamra - Eu sei lá porque isso acontece. Tem uma fila querendo participar do Provocações. Tem gente que não acaba mais. Acho que eles vão com a ilusão de resolver os seus problemas. Ou os meus. Ou os do mundo. Sei lá. Eu não perco mais tempo com eles. Mas tomara que ninguém leia isso em São Paulo. Se eu perder o emprego, eu dou uma porrada em vocês.

OP - Seria mais um emprego que você perderia, né?
Abujamra -
Já me expulsaram três vezes da TV Cultura, quatro vezes da bandeirante, cinco vezes da Globo. E agora eu vou fazer novela na Record. Não posso mais falar mal do Bispo Macedo. E ontem, no meu espetáculo, eu falei mal dele. Não consigo. Eu vou ser um mafioso nessa nova novela. Um mafioso! É muito chato ficar comendo e dando entrevista.

OP - Você quer parar a entrevista para poder comer?
Abujamra -
Eu queria mesmo que vocês fossem embora. O que vocês querem ainda saber de mim?

OP - Sobre esse mafioso que você fará na Record...
Abujamra -
Não tem nada certo ainda. Eu só sei que eles vão me contratar, agora o que eu vou fazer eu não sei ainda.

OP - Como é essa sensação de você a voltar a fazer novela?
Abujamra -
Eu sou um ator! Faço cinema, televisão, teatro, michê. Eu sou ator. Vou lá e faço o trabalho. Na televisão, é todo mundo igual, né? Tem coisa diferente na televisão?

OP - Por que o senhor começou a fazer televisão, então?
Abujamra -
Porque é do meu tempo! As coisas do meu tempo eu tenho que usar. Não sei. Eu não posso ficar longe dessa comunicação de massa. Vamos fazer! E subverter quando estiver lá. A Globo não me agüentou! Não é assim, vocês são maquiavélicos. Eu incomodo, entendeu? Por isso eu sou expulso. Vamos ver o que acontece na Record agora. Você vai fazer uma exposição, para quando eu morrer, é isso? (Pergunta para o fotógrafo)
 
OP - Abujamra, você se considera um homem de frases feitas?
Abujamra -
O que quer dizer frases feitas? Por exemplo, se eu falo "ser ou não ser, eis a questão". É uma frase feita? Ou é uma das melhores a que a gente pode falar numa conversa, em vez de perguntar "como você vai?". O que é melhor: você ter as grandes frases dos grandes autores ou falar da mesmice que a gente fala todo dia? O que é melhor: você descobrir frases onde a sua vida está incluída ou você ficar falando "ih... o preço do tomate aumentou". O que é melhor? Vou dizer uma frase que define isso. Tudo o que foi bem escrito ou dito é meu. Eu posso usar o que eu quiser. Frase feita é uma agressão na pergunta. Essa foi uma pergunta agressiva. Eu uso frases feitas no meu espetáculo? Eu não sei! Se usei frases feitas é porque eu precisava usar. Não sei o que significa uma frase feita. O que é uma frase feita para você?

OP - Frases decoradas...
Abujamra -
Uma frase decorada? Eu sei muito texto de Shakespeare, do Tennessee Williams (dramaturgo estadunidense, 1911-1983, autor de clássicos do teatro como Gata em Teto de Zinco Quente e Um Bonde Chamado Desejo), do Fernando Pessoa. Eu sei decorado esses textos, que são bem melhores do que eu falo, na verdade... E bem melhor do que a fala de qualquer jornalista babaca.

OP - Mas você não acha que o Abujamra se repete quando diz não conseguir completar um minuto de coisas boas feitas por ele na televisão? O Abujamra seria um fingidor ou um repetidor?
Abujamra -
Sei lá. Eu dirigi muito tempo televisão. Dirigi demais. O que você tem de bom na televisão? Alguns segundos: só! Alguns segundos. A televisão está virgem. Ela tem que ser descoberta. Tem que acreditar na comunicação de massa. Tentar melhorar as pessoas. Mas a televisão quer piorar as pessoas sempre.

OP - E o teatro tenta melhorar as pessoas?
Abujamra -
O teatro? (pausa) Não sei. Faço isso só há 58 anos. Eu acho melhor do que britar pedras na rua, né não? Então eu prefiro fazer teatro. Não sei se isso é uma frase feita. Televisão é uma coisa, teatro é outra coisa, cinema é outra coisa. Eu sou ator de teatro, televisão, de cinema, de michê. (Risos) Não sei se a palavra michê existe em Fortaleza!

OP - Na hora de uma entrevista, você é um ator também?
Abujamra -
Vai tomar no teu cu, antes que eu me esqueça. Eu sei lá se eu sou ator ou se eu não sou. Se eu sou isso ou se eu sou aquilo. Você acha o que você quiser que eu não dou a mínima importância. Fale o que você quiser. Ele finge! Ele não finge! Eu sei lá o que eu sou. Sei lá. Tenho 77 anos de idade, eu sei lá o que eu vou fazer depois. Tem horas que eu trabalho, tem horas que eu não trabalho. Eu sou um fudido privilegiado, que pensa em fazer o Rei Lear, mas não faz. Sou um fodido privilegiado, porque de repente me chamam para fazer um trabalho. Vocês são insuportáveis. E ainda me perguntam as coisas que me perguntam há 50 anos. As mesmas coisas. Eu queria que vocês caminhassem no incerto, como pede Pascal. Tudo bem, vocês nunca leram Pascal, mas saiam aí nas ruas e sintam-se mais inseguros. Agora vocês chegarem para mim e perguntar essas coisas que vocês me perguntam. Eu se fosse chefe de vocês colocava vocês na rua. Tem que ser outra coisa. É outro conceito. Tem que mudar. Pegar essas informações da internet e usar. Tem que fazer isso. Eu estou agredindo muito vocês. Eu espero que essa agressão mereça uma atenção, para quando vocês forem falar com outras pessoas, não façam perguntas vulgares e ridículas como essas que vocês estão fazendo para mim. Estou sendo chato?

OP - Não!
Abujamra -
Não é possível que eu não esteja chato! Vocês vieram aqui mesmo para apanhar. São masoquistas, é isso?

OP - Qual seria uma boa pergunta para fazer para você?
Abujamra -
A que vocês descobrissem.

OP - O que foi que o senhor sonhou esta noite?
Abujamra -
Sonho não deve passar de uma noite, meu amigo. Sonho não me interessa. Não quero que ninguém sonhe na minha frente. Sonho não deve passar de uma noite e acabou! Não tem importância. Ninguém tem que sonhar. Sonho só dá esperança, e a esperança já fodeu com a América Latina inteira.

OP - Você não tem mais esperanças?
Abujamra -
Nenhuma. Eu quero que a esperança vá tomar no olho do cu dela. Não tem mais nenhuma.

OP - Acabou em 68?
Abujamra -
Principalmente. Acho que nem tinha já naquela hora. Tchau! Vocês podem ir embora. Vão! Eu ainda não comi esse meu café. Vocês ainda me fazem comer frio. Olha a crueldade.

OP - A entrevista está chata?
Abujamra -
Uma das piores que eu já dei na minha vida. O que essa menina faz? (Aponta para a Natasha. Ela responde: eu sou aprendiz de jornalismo). Belos professores você tem. Ouça mais a mim do que eles. Falem, seus viados.

OP - Quando você percebeu que estava velho?
Abujamra -
Eu devia ter uns 15 anos. Eu sou um velho. Eu lia demais. Eu ficava lendo, lendo. Por isso envelheci. Eu sei lá quando eu era velho. Velho é quando começa a baixar o pau. Sei lá, um dia eu sentei nas bolas e percebi que estava velho. Eu sei lá quando a gente fica velho. Eu levo a minha vida. Faço as minhas coisas. Agüento uma porção de gente. Acabou a entrevista?

OP - Ainda não!
Abujamra -
Então, escreve tudo o que você quiser no seu jornal. Para mim, não tem a menor importância o que você vai escrever. Fale tudo o que você quiser e diga que eu falei. Isso não me importa. (Olha para o fotógrafo) O Cartier Bresson, você vai encher muito meu saco ainda? (Pega uma batata-frita e a coloca na altura do pênis e posa para o fotógrafo). Gosto de fazer caretas.

OP - Por que você odeia tanto as coisas?
Abujamra -
Quem disse que eu odeio? Não é assim, eu odeio as coisas. Eu sempre fui bem claro. Eu odeio tudo. Não é algumas coisas. Odeio o mar, o ar, vocês. Acho tudo uma bosta nesse país, um lixo. Eu acho odiar uma coisa bem menor do que a vingança. Eu devia me vingar das coisas que acontecem nesse país. Eu só digo que odeio porque as pessoas acreditam que eu odeio.

OP - Quem odeia ama?
Abujamra -
Mas é cada pergunta! Vocês tão querendo, né? Vocês vão piorando cada vez mais. Quem odeia ama sim. Ama, trepa, odeia. Ama de novo. Exatamente o que você acha da vida é o que acontece. Gostou? Porra! Tem muita coisa que a gente não sabe responder. Dá para vocês irem embora? A melhor coisa da entrevista até agora foi a batata frita. Geralmente me fazem só três perguntas. Vocês trouxeram um livro. Vão embora!

OP - A gente combinou ser uma hora de entrevista...
Abujamra -
Então eu vou dormir aqui. Quando der o tempo, vocês me acordam. Vai seu viadinho, pergunta logo!

OP - Queria voltar ao Provocações. Você disse que é um personagem que você não suporta mais...
Abujamra -
Eu sou o rei da incoerência. Eu adoro o Provocações. Eu também odeio o Provocações. E agora? Tô louco para faze-lo de novo. Sexta-feira, eu gravo. Adoro provocações. Entende? Não façam perguntas em que as respostas sejam definitivas. Nada o que eu falo é definitivo. Eu idolatro a dúvida. Não dá. Você acha que eu vou falar claro e eficiente para os jornais, respondendo as perguntas? Não falo! Perguntam se eu odeio, eu respondo: odeio. Eles publicam "O Abujamra odeia". Aí, no outro jornal, eu respondo: eu adoro. Aí o pessoal publica: "O Abujamra adora". Isso não quer dizer nada. O jornalismo brasileiro não tem ética. Você vai chorar com isso? Agora acabou mesmo!

OP - Você se acha superior a outras pessoas?
Abujamra -
Acha? Eu não quero achismo.

OP - Desculpa. Você se considera superior a outras pessoas?
Abujamra -
Superior? Eu não sou superior a nada. Eu sou um bosta igual a todos. Só que eu vejo as coisas que não me agradam e eu falo. Fui jornalista, fui crítico, fiz tudo na minha vida. Trabalhei em todas as televisões. Fiz 127 peças de teatro. Eu lá vou saber responder essas coisas. Vocês são muito metidos. Aliás, o Ceará é muito metido, sabia? E não tem porra nenhuma. Chega alguém e diz: esse escritor escreveu esse livro recente e é melhor que o Guimarães Rosa. Aqui no Ceará se escreve um poema e acham que mudaram a poesia. Aí eu viajo e comento com alguém. Os caras lá no Ceará escrevem um livro e acham que mudaram a literatura. Alguém responde: "Eles estão certos". (risos)

OP - Essa entrevista deu certo ou deu errada?
Abujamra -
Você começou a entrevista de novo? Você pode ir embora, eu quero ler os jornais. Tenho 77 anos e não tem entrevista próxima. Eu vou morrer.

OP - Te incomoda a morte?
Abujamra -
Eu não agüento vocês. Me incomoda muito. Não, não! Não me incomoda nada. As duas estão certas e aí? Eu não quero responder essas coisas. Tudo o que eu falar, pode escrever o contrário. Não tem importância. Vieram me provocar, então podem ir embora. (A equipe se levanta e segue para fora do hotel. Abujamra grita com os braços erguidos Aleluia! Aleluia! Por favor, terminem a reportagem assim. Aleluia! Aleluia! Aleluia!)