quinta-feira, abril 15, 2010

Pottz*


O inicio do texto era impecavel, te pegava pelo colarinho na primeira frase.
Deus chegou no Brasil - e ele usa dreadlocks.
O jornalista escrevia sobre Pottz, Martin Potter, o selvagem do circuito mundial, já não lembro mais se o autor era Derek Hynd, Nick Carroll ou Matt Warshaw, isso pouco importa agora.
O que interessa é que, antes de terminar esse ano devemos celebrar os 20 anos da conquista do título mundial pelo desvairado sul-africano Martin Potter.
E por que deveriámos fazer isso, pergunta um leitor mais afoito.
Porque, meu chapa, Pottz era o Dane Reynolds da epoca dele.
E era tambem o Jordy Smith e o Kolohe Andino, Mineirinho, Jadson, tudo junto num cara só.
Nunca houve um surfista no circuito mundial que tivesse um impacto tão grande no seu primeiro ano competindo quanto Potter.
Com apenas 15 anos, o garoto Martin Potter surgiu do nada para bagunçar o coreto do topo do ranking em 1981.
Fez a final no tradicionalíssimo Gunston 500, derrotando o camarada que mais tinha ganho esse mesmo evento, Shaun Thomsom, maior ídolo de toda Africa do sul, Pottz tinha tambem deixado pelo caminho o grande Dane Kealoha, uma especie de Sunny Garcia do inicio dos anos 80, ligeiramente mais agressivo com a prancha.
No campeonato seguinte, tambem em Durban, Potter continuou sua blitz na ASP e novamente bateu Shaun e Dane, provando que aquilo não era apenas sorte de principiante, mas talento grosso e ilimitado.
Os dois que ganharam de Potter nas finais foram Mark Richards, voces sabem, o tetra campeão MR, e Cheyne Horan, podemos dizer com alguma maldade que era o Joel Parko do seu tempo (apesar d’eu acreditar que Parko leva o dele em 2010, ou 11, 12...), não era pouca coisa prum menino que tinha até algum futuro como peladeiro mas preferiu o surfe - como Rob Machado.
Depois disso, preciso repetir isso porque sempre me impressiono com a idade, com 15 anos, Potter começou a seguir o Tour, veio ao Brasil (perdeu pro Fred), foi ao Japão (ganhou do Carroll e perdeu pro Rabbit, campeão do evento), fez mais uma semi na California e terminou seu primeiro ano em oitavo lugar.
Acho que aqui cabe uma bela exclamação, terminou o ano em 8º!
Com somente 5 etapas computadas - na frente dele todos tinham pelo menos o dobro das etapas.
Nos 7 anos seguintes, Martin Potter ficou entre o 12º e 5º lugar no circuito mas não foram os resultados que fizeram dele uma lenda no seu tempo.


Foi a velocidade, a audácia e a inovação que transformouaram Pottz num dos surfistas mais influentes de sempre.
Ninguem era estupido de perder suas baterias.
Tudo podia acontecer quando Potter entrava n’água.
A empolgação era a mesma que temos hoje com a turma citada no inicio do texto, Dane, Jordy e cia.
Matt Archbold confessa na edição especial de 50 anos da revista Surfer que a primeira vez que viu Potter surfar foi um choque.
A partir dali Archy sabia que se ele queria algo mais do surfe teria que surfar com a velocidade que aquele gorila de ombros largos e cabeludos imprimia na sua biquilha.
Os anos 80 tiveram 5 surfistas que fizeram a diferença: Curren, Carroll, Occy, Kong e Pottz.
Curren por toda maestria, Carroll pela violência dos seus ataques, Occy pelo talento sem fim, Kong pela brutalidade.
O resto era coadjuvante.
Com Potter era tudo ou nada.
Falava-se que era o maior surfista do mundo mas nunca seria campeão mundial.
Derek Hynd sentenciou: Título mundial - sem chance.
Em 1989, cansado de ouvir a velha lenga-lenga, Potter resolveu que treinaria serio para ganhar duma vez o seu caneco e foi então que o veterano surfista de 23 anos começou o circuito ganhando 4 das cinco etapas e partindo sem pena para cima dos adversarios.
Não foi tão facil quanto parecia, afinal de contas o circuito tinha 25 etapas e até o Pipe Masters, ultima volta do ponteiro, Dave Mcauley ainda tinha uma ínfima chance de ganhar.
João Valente, editor da revista Surf Portugal foi quem lembrou do feito e resolver homenagear Pottz durante o The Search Portugal.
Potter estava fazendo o webcast e ficou surpreso com a lembrança.
No dia da festa, a grande festa do campeonato, o Martin Potter que subiu pra pegar seu troféu não era mais aquela figura que intimidava surfistas com seu olhar furioso por tras das mexas revoltas.
Quem subiu para ser aplaudido por milhares de pessoas que ali estavam por outros motivos foi um camarada com cabelos curtos, quase calvo, ostentando uma serenidade incomum.
Me apressei para pegar um copo de cerveja e o esperei num canto.
Quando ele passou, lembrei do cara que passou por tres gerações de surfistas destruindo tudo que se movia. Lembrei do psicopata que enfrentava Slater, MR, Curren, Carroll, ou quem quer que aparecesse com a mesma furia.
Lembrei das noites ensandecidas e das hordas que Pottz atraia com seu carisma sem igual.
Lembrei dos primeiros aéreos e floaters into fakie que ele inventava na hora quando competia.
Lembrei dos posters, capas, das pranchas coloridas copiadas e esperei o momento certo.
Potter se aproximou, levantei meu copo na sua direção e ataquei:
Esse é pra voce Pottz!
Ele brindou e cada um foi prum lado, os dois sorrindo satisfeitos e orgulhosos pelo brinde.

*Beba da Fonte