Mauro Covacich é o melhor romancista italiano. Ou um dos melhores. Algum tempo atrás, ele largou sua mulher por outra. E resolveu escrever um livro sobre o assunto, contando todos os detalhes do episódio. Inclusive usando o nome real dos protagonistas. Ele fez como aqueles ingleses que arrancam a roupa e, perseguidos por meia dúzia de policiais, correm pelados pelo gramado durante um jogo do Manchester United, com o estádio lotado, até conseguir agarrar Cristiano Ronaldo. Despir-se publicamente foi a maneira mais dolorosa que Mauro Covacich encontrou para expiar seu pecado. Cobrir-se de vergonha. Expor-se ao escárnio coletivo. Alguém deveria editar os livros de Mauro Covacich no Brasil. Recomendo com entusiasmo. Este último se chama Prima di Sparire, e foi publicado pela Einaudi. Aqui, no podcast, pretendo tratar apenas de uma de suas páginas, a 165, que se refere diretamente a mim. Mauro Covacich é um grande amigo meu, dos tempos em que eu morava na Itália. Ele veio nos visitar no Rio de Janeiro em 2003, no Ano Novo. Fez uma matéria sobre a posse de Lula para o Corriere della Sera, que eu tentei contaminar com uma série de comentários debochados e preconceituosos. Numa das passagens do livro - e estou chegando onde eu pretendia chegar, só falta mais um tantinho -, Mauro Covacich recorda sua viagem ao Brasil. Em particular: os sanduíches de filé com queijo e meu filho mais velho, aquele que tem paralisia cerebral (Sim, eu também já corri pelado pelos campos de futebol, exibindo alegremente minha intimidade, embriagado de felicidade, ziguezagueando para escapar de meus perseguidores). Na página 165, Mauro Covacich cita expressamente meu filho, Tito, e pergunta a sua mulher:
- Você se lembra da pena que sentíamos daquele menino?
Pena? Eu olho para minha mulher, e minha mulher olha para mim, e nós olhamos para nossos filhos, tanto um quanto o outro, o primeiro com paralisia cerebral e o segundo sem paralisia cerebral, e dizemos em perfeita sincronia:
- Como é que alguém pode sentir pena dele?
Esse é um dos aspectos mais espantosos de se ter um filho como o nosso. Nada nele provoca pena. Nada mesmo. Ele é um homenzinho seguro de si, contagiosamente alegre, independente, cheio de idéias próprias. Mas os sentimentos das pessoas acabam barateando a realidade. Eu sempre tratei os sentimentos, todos eles, com um certo desprezo. Os sentimentos tortos despertados por nosso filho só fortaleceram isso. Em meu caso, correr nu pelo gramado, com meu filho no cangote, à procura de Cristiano Ronaldo, teve esse efeito salutar: me treinou a ignorar o grito passional e confuso da arquibancada.
- Você se lembra da pena que sentíamos daquele menino?
Pena? Eu olho para minha mulher, e minha mulher olha para mim, e nós olhamos para nossos filhos, tanto um quanto o outro, o primeiro com paralisia cerebral e o segundo sem paralisia cerebral, e dizemos em perfeita sincronia:
- Como é que alguém pode sentir pena dele?
Esse é um dos aspectos mais espantosos de se ter um filho como o nosso. Nada nele provoca pena. Nada mesmo. Ele é um homenzinho seguro de si, contagiosamente alegre, independente, cheio de idéias próprias. Mas os sentimentos das pessoas acabam barateando a realidade. Eu sempre tratei os sentimentos, todos eles, com um certo desprezo. Os sentimentos tortos despertados por nosso filho só fortaleceram isso. Em meu caso, correr nu pelo gramado, com meu filho no cangote, à procura de Cristiano Ronaldo, teve esse efeito salutar: me treinou a ignorar o grito passional e confuso da arquibancada.
*Texto de Diogo Mainardi